Netanyahu, encurralado, arrisca tudo numa guerra com o Irã
Pressionado por todos os lados, Netanyahu arrasta Israel para uma escalada com o Irã. Teerã respondeu com força — e o mundo vê o espectro da guerra atômica reaparecer
Benjamin Netanyahu é o mais longevo primeiro-ministro da história de Israel. Ele conseguiu encerrar as negociações diplomáticas pela criação de um Estado palestino e pôs fim, na prática, à solução de dois Estados. Após o ataque surpresa palestino de 7 de outubro, lançou uma agressão sem precedentes contra Gaza, resultando no genocídio de milhares de palestinos. Eliminou toda a liderança política e militar do Hamas, mas ainda não conseguiu derrotar o grupo guerrilheiro.
Por outro lado, sua ofensiva no Líbano provocou a maior derrota na história do Hezbollah, com a morte de seu líder, Hasan Nasrallah. As desestabilizações que ele promoveu — ao lado dos EUA — contra o governo de Bashar al-Assad, herdeiro, ainda que degenerado, do nacionalismo árabe, culminaram finalmente em sua deposição, em dezembro de 2024. De inimigos verdadeiros no Oriente Médio, restou apenas o poderoso Irã, líder do Eixo da Resistência — deixando de lado o frágil Iêmen.
O aumento da pressão sobre Israel e a agressão ao Irã
A dificuldade em derrotar o Hamas em Gaza vinha forçando Netanyahu a adotar medidas cada vez mais crueis. Um bloqueio total à entrada de ajuda humanitária, mantido por quase dois meses, provocou uma explosão da fome entre os palestinos e aumentou a pressão ocidental. A flotilha liderada por Greta Thunberg chamou atenção global para o colapso humanitário de Gaza. Reportagens indicavam o crescente incômodo de Donald Trump com Netanyahu, devido à sua resistência em aceitar uma trégua temporária no conflito. Espanha e Chile anunciaram embargos militares; Reino Unido e União Europeia interromperam negociações comerciais; e diversos países impuseram sanções financeiras aos ministros da extrema-direita Bezalel Smotrich e Itamar Ben-Gvir.
França e Reino Unido discutiam o reconhecimento do Estado da Palestina, enquanto os franceses, ao lado da Arábia Saudita, anunciaram a realização de uma cúpula na sede da ONU, em Nova York, para retomar as negociações em torno da solução de dois Estados, incluindo a retirada completa dos assentamentos israelenses na Cisjordânia. Os sauditas, que estavam prestes a normalizar relações com Israel antes do 7 de outubro, já haviam condicionado qualquer retomada das negociações à criação de um Estado palestino. Até a Alemanha, maior aliada de Israel na Europa, demonstrava incômodo com a postura do governo Netanyahu.
Internamente, a pressão também crescia. Protestos contra a guerra tornavam-se frequentes, enquanto rumores de uma possível guerra civil entre israelenses ganhavam força. Os partidos ortodoxos ameaçavam deixar o governo caso fosse aprovada uma lei obrigando judeus religiosos ao alistamento militar — grupo que, até então, era dispensado do serviço. O país, por sua vez, enfrentava dificuldades para recrutar novos soldados, uma vez que o número de reservistas pedindo dispensa vinha crescendo. A oposição a Netanyahu chegou a apresentar uma moção para destituí-lo nesta semana, mas sem sucesso.
Diante do cerco crescente, Netanyahu recorreu mais uma vez ao seu trunfo: o Irã. No dia 13 de junho, promoveu um “ataque preventivo” — ilegal segundo o direito internacional — que eliminou parte da cúpula militar iraniana e atingiu importantes instalações nucleares. Embora não tenha sido uma humilhação como a sofrida pelo Egito em 1967, quando Israel inventou a doutrina do “ataque preventivo” para agredir seu inimigo de surpresa, o bombardeio enfraqueceu a imagem do aiatolá Ali Khamenei.
Em seu discurso, Netanyahu conclamou o povo iraniano a se levantar contra seu governo, deixando clara a sua ambição de mudança de regime. Essa não foi a primeira vez que Israel utilizou ataques contra alvos iranianos para enfrentar crises desde o 07 de outubro.
Em 1º de abril de 2024, sob intensa pressão internacional devido ao genocídio em Gaza — inclusive dos EUA sob o governo de Joe Biden —, Netanyahu atacou a embaixada iraniana em Damasco, na Síria. A agressão provocou uma resposta iraniana com um enxame de drones contra Israel. Essa inédita ação militar direta do Irã reorganizou o apoio ocidental a Israel.
Agora, o mesmo movimento se repetiu: franceses e alemães declararam apoio total ao seu aliado; os sauditas colaboraram com o ataque israelense ao Irã; e estadunidenses e britânicos auxiliaram na intercepção dos mísseis iranianos. Trump exigiu que o Irã aceite o acordo nuclear antes que o país fosse, segundo ele, “completamente destruído”.
Resposta iraniana surpreende
No entanto, diferentemente do Egito em 1967, que ficou sem ação diante do agressão israelense, a resposta iraniana nos últimos dias foi muito mais dura do que o esperado. O Irã parece dispor de um poderio militar que Nasser e seus aliados jamais conseguiram alcançar, mesmo com o apoio da União Soviética durante a Guerra Fria.
O famigerado sistema Iron Dome não conseguiu interceptar todos os projéteis iranianos. Enquanto Netanyahu fugia para a Grécia para evitar ser um alvo, mísseis balísticos atingiram o centro urbano de Tel Aviv, incluindo a sede do Ministério da Defesa. Os iranianos alvejaram ainda baterias antiaéreas, bases militares, instalações nucleares e áreas residenciais em todo o país. O número de mortos ainda é relativamente baixo graças à existência de abrigos subterrâneos, mas o bombardeio iraniano a áreas civis tem provocado um número crescente de baixas israelenses.
Apesar da magnitude do contra-ataque, o Irã não utilizou todo seu arsenal. Com cerca de 90 mil mísseis balísticos, o país tem capacidade para manter ataques prolongados ao território israelense. Isso faria a população israelense, na melhor das hipóteses, viver permanentemente em bunkers.
Enquanto isso, no Irã, as defesas antiaéreas — que haviam falhado no primeiro dia de ataques — voltaram a funcionar, embora alguns mísseis israelenses tenham atingido seus alvos, como instalações petrolíferas. Milhares de pessoas tomaram as ruas de Teerã para assistir às interceptações. Informações da imprensa iraniana afirmam ter abatido três caças israelenses. Apesar de admitir que algumas instalações nucleares foram danificadas, o Irã garantiu que nenhuma foi destruída.
Já o envolvimento estadunidense em mais um conflito no Oriente Médio fez Trump ser duramente criticado por apoiadores da extrema-direita do movimento MAGA, incluindo o jornalista Tucker Carlson. Trump contraria sua promessa de campanha de priorizar a segurança nacional e retirar o país de conflitos intermináveis.
Por outro lado, há setores que defendem uma intervenção militar total contra o Irã com o objetivo de destruir o país. O governo iraniano declarou que não retomará negociações de um acordo nuclear com os Estados Unidos. Se havia divisões internas sobre o desenvolvimento de armas nucleares, elas parecem ter desaparecido. Marchas populares agora exigem abertamente que o Irã desenvolva a bomba.
Soberania iraniana e o risco de uma guerra nuclear
Concorde-se ou não com a ideologia da República Islâmica do Irã, o que está em jogo neste conflito é a defesa da sua autodeterminação e dos demais dos povos do Sul Global que resistem ao imperialismo. Desde 1979, quando derrubaram um governo fantoche dos EUA, os iranianos estão lutando por sua soberania. Em um mundo regido pela lógica da força, a bomba atômica torna-se um instrumento de dissuasão — uma “paz negativa”, como demonstra o caso da Coreia do Norte, que recentemente desenvolveu o seu armamento nuclear.
Ao atacar o Irã, Israel pode ter ultrapassado seus próprios limites. Estados fascistas, como a Alemanha nazista e a África do Sul do apartheid, também se lançaram em guerras além de suas capacidades nos momentos finais de seus regimes. Uma ofensiva inimiga mais poderosa do que o previsto pode minar de forma irreversível a credibilidade do governo israelense.
Se for verdadeira a informação da mídia israelense de que Israel atacou o Irã para Trump obter um acordo mais favorável, é possível que o tiro de Netanyahu saia pela culatra. Isso reforça a percepção de que os EUA usam os judeus como "bucha de canhão” para atingir os seus objetivos no Oriente Médio.
O Ministro de Relações Exteriores do Irã, Abbas Araghchi, deixou aberta a possibilidade de interromper o conflito caso Israel suspenda a sua agressão. Espero que a racionalidade dos governantes ponha fim às hostilidades. A possibilidade de derrota israelense pode levar Netanyahu a fazer o insondável e empurrar o mundo na direção do abismo de uma guerra atômica.