O Ocidente começa a recuar diante do genocídio em Gaza?
Apesar de declarações mais duras e sanções iniciais, os principais aliados de Israel ainda não mudaram o curso do genocídio em Gaza. Espanha dá o passo mais decisivo até agora.
No dia 20/05, publiquei uma entrevista minha afirmando que o mundo permanecia inerte diante do avanço de Israel rumo a uma solução final em Gaza. O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, parece concordar com essa análise ao criticar o silêncio global diante da “carnificina de Gaza”. No entanto, nos últimos dias, vimos algumas movimentações no Ocidente que podem indicar uma mudança no apoio externo ao genocídio.
Desde que o jornal conservador britânico Financial Times publicou um editorial em 06/05 acusando o mundo de silenciar diante do genocídio israelense em Gaza, diversos veículos de comunicação ocidentais passaram a elevar o tom de suas críticas a Israel. A ONU divulgou um relatório afirmando que um em cada cinco palestinos em Gaza — aproximadamente 500 mil pessoas — sofre de desnutrição severa. No 20/05, um diretor da ONU afirmou que 14 mil bebês poderiam morrer nas próximas horas devido à manutenção dos bloqueios israelenses à entrada de ajuda humanitária na Faixa de Gaza.
Também no 20/05, uma declaração conjunta do Reino Unido, França e Canadá — alguns dos principais aliados ocidentais dos EUA e de Israel — ameaçou impor sanções a Israel caso o país continue bloqueando a ajuda humanitária e “mate a população [palestina] de fome”. O Reino Unido chegou a convocar seu embaixador em Tel Aviv e suspendeu as negociações de um acordo de livre comércio com Israel. Em resposta, Netanyahu afirmou que esses países “encorajam” o Hamas.
A decisão mais contundente, porém, veio da Espanha. No fim de abril, o governo espanhol já havia suspendido contratos de compra de armas e munições de empresas israelenses. Agora, neste 21/05, o parlamento espanhol aprovou uma lei que proíbe o país de comercializar equipamentos de segurança com Estados que cometam crimes de genocídio ou crimes contra a humanidade. Na prática, trata-se de um embargo militar a Israel — uma antiga demanda do movimento palestino por boicote, desinvestimento e sanções (BDS).
Embora essas iniciativas por parte de países ocidentais sejam relevantes, elas ainda não afetam o cerne do problema. Prova disso é que Israel não recuou um centímetro de suas ambições genocidas em Gaza. No dia em que os israelenses permitiram, após dois meses, a entrada de cerca de cem caminhões com ajuda humanitária em Gaza — volume ainda considerado insuficiente pela ONU — o ministro israelense Bezalel Smotrich declarou: “Isso não é uma rendição às pressões. (...) Estamos fornecendo o mínimo de alimentos e medicamentos apenas para que o mundo não nos interrompa nem nos acuse de crimes de guerra”.
Smotrich argumenta que a fome exerce uma pressão estratégica sobre o Hamas, que se recusa a aceitar as condições impostas por Israel, como a desmobilização militar e o exílio de seus combatentes, em troca de um cessar-fogo. Nas últimas semanas, durante o bloqueio, surgiram protestos de palestinos contra o Hamas, bem como grupos criminosos que saqueiam e traficam ajuda humanitária destinada à população civil.
Por que o Hamas não abaixa as armas?
Desde que Israel retomou os ataques à Faixa de Gaza após dois meses de cessar-fogo e a troca de reféns em março de 2025, a possibilidade de um novo acordo, segundo a mídia ocidental, tem sido dificultada pela suposta recusa do Hamas em depor as armas
Netanyahu também reafirmou que a guerra terminará apenas com a limpeza étnica total dos palestinos em Gaza. Os Estados Unidos têm negociado, em nome de Israel, a possibilidade de a Líbia — em guerra civil desde 2011 — receber aproximadamente um milhão de refugiados palestinos. Embora os EUA tenham retomado as negociações por um cessar-fogo no Catar após a libertação do prisioneiro israelo-americano Edan Alexander pelo Hamas, Israel impõe condições que o Hamas não está disposto a aceitar, pois significariam sua rendição total e o fim da resistência.
O líder do bureau político do Hamas no exterior, Sami Abu Zuhri, declarou que o grupo está disposto a libertar todos os prisioneiros de uma só vez, desde que Israel se comprometa com um cessar-fogo definitivo. “Não entregaremos nossos prisioneiros à ocupação [israelense] enquanto insistirem na continuação indefinida da agressão contra Gaza”, afirmou.
Enquanto isso, Israel mantém seu plano de “conquista” total da Faixa de Gaza. Nos últimos dias, intensificou operações militares em Khan Younis, na região central do território, provocando a morte de centenas de palestinos. E, pela quarta vez desde o início da agressão israelense em Gaza em outubro de 2023, os militares israelenses avançam sobre o campo de refugiados de Jabalyia, um importante lócus da resistência ao norte de Gaza.
Para interromper o genocídio em curso, os países ocidentais precisam aprofundar o isolamento político e econômico de Israel, assim como ocorreu ao final do regime de apartheid na África do Sul, entre 1990 e 1994. EUA e Alemanha continuam fornecendo armamentos que permitem a Israel sustentar o genocídio indefinidamente. As recentes decisões de países ocidentais parecem mais voltadas a apaziguar o descontentamento de suas populações frente ao apoio ao genocídio (gráfico abaixo) do que a alterar de fato a correlação de forças em favor da libertação palestina. E o Brasil, que denuncia a “carnificina” israelense desde o início, pouco fez até agora para pressionar Israel ao longo desses 18 meses de genocídio em Gaza.