Israel rejeita cessar-fogo para manter ofensiva: trégua serve apenas para aliviar pressão internacional
Negociações com o Hamas esbarram na recusa israelense em aceitar qualquer horizonte de paz. Ajuda humanitária é usada como ferramenta de limpeza étnica
Por que Israel não aceita um acordo com o Hamas que indique um cessar-fogo permanente?
A resposta curta: a intenção do governo é manter o genocídio dos palestinos a todo custo. Lideranças políticas do país, como o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, reafirmam que seu objetivo é acabar com a presença dos palestinos na Faixa de Gaza: “Os palestinos expulsos de Gaza não irão retornar. Eles não ficarão aqui. Nós iremos controlar este território. Não há outro objetivo. Qualquer outro objetivo é apenas um blefe”.
A resposta longa é que os israelenses querem ganhar tempo para aliviar a pressão antes de prosseguir com o genocídio. Nas últimas semanas, observou-se um aumento da pressão ocidental sobre Israel. Em um possível ponto de virada, um colunista do jornal conservador inglês Financial Times defendeu que a União Europeia implemente sanções contra Israel. A aplicação de sanções efetivas poderia provocar danos sérios à economia e às relações diplomáticas do país, dificilmente reversíveis.
O Ocidente começa a recuar diante do genocídio em Gaza?
No dia 20/05, publiquei uma entrevista minha afirmando que o mundo permanecia inerte diante do avanço de Israel rumo a uma solução final em Gaza. O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, parece concordar com essa análise ao criticar o silêncio global diante da “
Por essa razão, na última semana, Israel aceitou negociar uma trégua com o Hamas, mediada pelo enviado especial de Donald Trump, Steve Witkoff. Contudo, mais uma vez, israelenses e palestinos chegaram a um impasse. Desta vez, o desacordo não diz respeito à desmobilização militar e ao exílio dos guerrilheiros do Hamas em Gaza — o que não está em debate neste momento —, mas sim ao tempo de duração da trégua.
Enquanto o Hamas deseja que as negociações para um cessar-fogo permanente sejam concluídas ao final da paralisação de 60 dias, Israel não quer se comprometer com nada durante ou após esse período, exceto com a troca de prisioneiros e a ampliação da ajuda humanitária. O Hamas insiste em incluir no acordo a constituição de um governo formado por tecnocratas palestinos para supervisionar a reconstrução de Gaza, acompanhada da retirada de todas as tropas israelenses.
Ou seja, o Hamas está oferecendo aos israelenses aquilo que normalmente tem sido o objetivo das intervenções imperialistas no Terceiro Mundo: a mudança de regime. Esse foi o objetivo das ocupações americanas no Iraque e no Afeganistão, bem como a intenção dos EUA ao reconhecer o ex-líder da al-Qaeda, Ahmed al-Sharaa, como novo presidente da Síria após a deposição de Bashar Assad. Os americanos, inclusive, estariam dispostos a concordar com esse ponto proposto pelo Hamas. Contudo, Netanyahu rejeita a inserção desse termo no acordo.
Isso revela que, para os israelenses, não há alternativa real senão o extermínio dos palestinos em Gaza. A ponto de passarem a instrumentalizar a ajuda humanitária como ferramenta para viabilizar a limpeza étnica.
Ajuda humanitária como "armadilha assassina"
Desde a semana passada, Israel e os EUA impuseram a ONG Gaza Humanitarian Foundation, de origem desconhecida, como responsável pela distribuição de alimentos e medicamentos aos palestinos de Gaza. A ONG contratou mercenários armados de diferentes nacionalidades para auxiliar na entrega da ajuda em locais de coleta específicos.
Esse processo tem obrigado os palestinos a se deslocar dezenas ou até centenas de quilômetros para receber a ajuda no sul da Faixa de Gaza, resultando no confinamento dessas pessoas em campos de concentração próximos aos pontos de distribuição — e também no despovoamento das demais regiões do território.
Em diversas ocasiões, nos últimos dias, mercenários e soldados israelenses atiraram contra multidões de palestinos famintos em busca de ajuda. A UNRWA (Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Oriente Próximo) classificou esse modelo de distribuição como uma “armadilha assassina”. Já são 75 palestinos mortos enquanto buscavam por ajuda.
Enquanto isso, Israel anunciou a maior expansão de assentamentos judeus na Cisjordânia em décadas. Serão criadas 22 novas colônias com o objetivo de “previnir o estabelecimento de um Estado palestino que ameace Israel”, segundo o ministro da Defesa, Israel Katz. A violência dos colonos judeus contra a população civil palestina atingiu o maior nível em vinte anos, desde o fim da Segunda Intifada (2000–2005). Já são 220 palestinos feridos nesses ataques desde o início do ano.
É fundamental que as lideranças ocidentais e do Sul Global que vêm demonstrando insatisfação com os desdobramentos na Palestina comecem a agir diretamente — em vez de deixar o destino dos palestinos nas mãos do enviado especial de Trump. Pois, em breve, pode não haver mais Palestina para ser salva.