Trump ataca o Irã: agora é guerra global?
Com o bombardeio de instalações nucleares e o envolvimento direto dos EUA, o conflito entre Israel e Irã ameaça transbordar para uma guerra sistêmica
Não foram necessárias duas semanas, mas apenas algumas horas. Esse foi o tempo que Donald Trump levou para decidir atacar as usinas nucleares de Fordow, Natanz e Isfahan, no Irã. Elas foram bombardeadas na manhã deste domingo, 22/06, supostamente com bombas capazes de destruir bunkers, pouco mais de uma semana após o primeiro ataque israelense ao território iraniano. O presidente dos EUA afirmou que as instalações foram “completamente obliteradas” e declarou: “ou haverá paz, ou haverá tragédia para o Irã".
Autoridades iranianas, no entanto, afirmam que os danos em Fordow — construída em um abrigo subterrâneo reforçado justamente para resistir a esse tipo de ataque — não foram totais. Também não houve vazamento de material radioativo, já que o urânio enriquecido havia sido transferido previamente para instalações secretas.
No sábado, Israel também havia bombardeado a usina de Isfahan, além de atacar infraestruturas energéticas e lideranças militares. Em resposta, o Irã voltou a lançar mísseis contra Israel, que também retaliou. Mísseis iranianos atingiram áreas próximas a Tel Aviv, provocando danos em bairros residenciais. Israel, por sua vez, teria alvejado alvos militares no aeroporto de Isfahan.
O ministro das Relações Exteriores do Irã, Abbas Araghchi, afirmou que o ataque americano às “instalações nucleares pacíficas”, em violação ao direito internacional, terá “consequências duradouras”. Ele viajará a Moscou nesta segunda-feira para se encontrar com o presidente russo, Vladimir Putin, e discutir a estratégia conjunta diante do conflito. Os países possuem importante aliança militar.
É fato que todas as bases militares americanas no Oriente Médio — onde estão estacionados mais de 50 mil soldados — se tornaram alvos legítimos. Uma retaliação poderá provocar consequências imprevisíveis, ampliando um conflito que Irã e Israel, sozinhos, já demonstravam dificuldade em sustentar.
Os limites de Irã e Israel na guerra
O jornalista canadense Murtaza Hussain observa que o Irã buscou se posicionar entre uma Coreia do Norte — que isolou completamente o regime e desenvolveu a bomba atômica para sobreviver à pressão ocidental — e um Bahrein, monarquia petrolífera do Golfo que abriu mão de sua soberania energética em favor do Ocidente para garantir a sobrevivência de sua elite política.
A tentativa iraniana de moderação, refletindo a posição de sua sociedade, somada ao apoio aos grupos armados do Eixo da Resistência, foi insuficiente para impedir as agressões israelense e estadunidense. Tampouco levou o país a desenvolver uma bomba atômica como estratégia de dissuasão nuclear.
No entanto, a unidade social gerada pela guerra — com antigos opositores do regime agora apoiando o desenvolvimento nuclear e a soberania nacional — pode representar uma nova oportunidade para o governo. Já são cerca de 500 iranianos mortos, a maioria civis. Ainda assim, uma possível fragilidade militar pode enfraquecer a posição iraniana.
Embora o Irã tenha atingido alvos relevantes em Israel, como uma refinaria em Haifa e locais simbólicos como a bolsa de valores e o Instituto Weizmann, em Tel Aviv, não é possível afirmar que conseguiu comprometer as capacidades econômicas e militares israelenses. Israel impõe censura aos jornalistas para minimizar o impacto midiático dos mísseis iranianos, dificultando o conhecimento público sobre os danos causados pelo contra-ataque. De toda forma, analistas militares já apontavam que o Irã pode ter menos capacidades efetivas do que se supunha. Contudo, se os mísseis iranianos com precisão limitada expõem fragilidades, Israel também demonstra limitações bélicas relevantes.
O conflito evidenciou a dependência total de Israel em relação aos EUA para sua defesa antiaérea e para alcançar seus objetivos militares contra o Irã. No entanto, Trump ainda enfrenta forte resistência em sua base para se envolver em mais uma guerra no Oriente Médio. O presidente dos EUA buscou deixar claro que a sua intervenção no Irã foi limitada e que não almeja uma mudança de regime. Mas mesmo com participação direta dos americanos, é difícil garantir que os objetivos ocidentais sejam plenamente alcançados.
Os limites da intervenção ocidental no Irã
Mesmo que os EUA tenham conseguido destruir completamente as instalações nucleares iranianas, não há garantia de que o programa nuclear iraniano será extinto. Autoridades iranianas já informaram que o urânio enriquecido foi transferido para locais seguros. Além disso, é possível que existam instalações secretas capazes de continuar o processo de enriquecimento. A Agência Internacional de Energia Atómica informou que o Irã estava finalizando uma nova usina. Para assegurar a eliminação total do programa, uma ocupação terrestre — como ocorreu no Iraque — seria necessária, o que prolongaria a guerra e geraria consequências imprevisíveis.
Outro objetivo declarado, a mudança de regime no Irã, enfrenta obstáculos significativos. A República Islâmica, surgida da revolução de 1979, é liderada por clérigos muçulmanos sob o comando do aiatolá Ali Khamenei, mas possui instâncias democráticas e certa pluralidade política. Desde a morte acidental do presidente Ebrahim Raisi, em maio de 2024 — representante da ala mais radical —, o moderado Masoud Pezeshkian assumiu a presidência, buscando retomar um acordo nuclear com os EUA e pôr fim às sanções. A lei do uso obrigatório do véu deixou de ser aplicada sob Pezeshkian como resultado da mobilização popular de dois anos atrás, quando uma jovem foi morta pela polícia por usá-lo de forma "incorreta".
A intenção ocidental de derrubar Khamenei como ocorreu com Saddam Hussein (Iraque), Muammar Gaddafi (Líbia) e Bashar al-Assad (Síria) é difícil de se realizar. Estimativas indicam que cerca de 20% da população iraniana é fiel ao regime islâmico, mas uma parcela maior apoia sua política externa de oposição ao Ocidente, e uma parte ainda mais significativa se unificou em torno da defesa da soberania nacional. A Revolução de 1979 foi, acima de tudo, uma insurgência nacionalista contra o governo fantoche do xá Reza Pahlavi, apoiado pelos EUA. O nacionalismo continua sendo uma ideologia mobilizadora, mesmo entre opositores dos aiatolás.
Além disso, o Irã possui quase 100 milhões de habitantes, mais de 600 mil militares ativos e uma geografia desafiadora para invasores. Qualquer tentativa de mudança de regime por meio de intervenção direta poderá resultar em guerra civil. E talvez este seja o objetivo. Israel tem feito apelos para que a população iraniana se levante contra Khamenei e tenta emplacar a ideia de uma revolução iminente. A possibilidade de uma "revolução colorida", promovida por setores da sociedade civil pró-Ocidente, como visto no Euromaidan na Ucrânia (2014), não está descartada.
Outra estratégia tem sido fomentar sentimentos nacionalistas entre minorias, como curdos e balúchis, visando fragmentar o país e enfraquecê-lo no futuro. Essa abordagem, utilizada na Líbia e na Síria, resultou na desestruturação completa desses países, com o surgimento de grupos jihadistas rivais ao Eixo da Resistência. O Irã abriga a segunda maior reserva de petróleo do mundo, além de recursos minerais como o lítio, muitos dos quais localizados em regiões habitadas por essas minorias.
Os aliados iranianos e os impactos da guerra na Ásia
O Irã ainda conta com apoio militar do Iêmen, que ameaça fechar novamente o mar Vermelho e bloquear o Canal de Suez após a intervenção direta dos EUA. Também pode bloquear o Estreito de Ormuz, por onde passa cerca de 20% do comércio global de petróleo. O Irã poderá ainda atacar bases americanas no Golfo: quatro no Kuwait, três nos Emirados Árabes Unidos, duas no Catar, e uma em cada um dos seguintes países: Arábia Saudita, Bahrein e Omã.
Isso provocaria uma hecatombe nos mercados internacionais e forçaria outros países do Golfo a se posicionarem. Veículos israelenses já apontam que, após o Irã, Qatar e Arábia Saudita — que resistem à normalização com Israel — estariam na mira. Ambos condenaram a agressão ocidental, mas dificilmente se oporiam aos EUA numa guerra.
O Paquistão, outra república islâmica com divergências com o Ocidente, possui armas nucleares e já declarou apoio ao Irã. O recente conflito com a Índia pela Caxemira foi interpretado por alguns como uma tentativa de desestabilização interna. Um conflito prolongado no Irã afetaria profundamente sua economia e cadeias produtivas regionais, aponta a professora Farwa Sial.
Mas o aliado que pode fazer maior diferença —além dos russos— é a China, que possui interesses econômicos robustos no Irã. Em 2020, os dois países firmaram um acordo no qual a China se comprometeu a investir US$ 400 bilhões na infraestrutura iraniana como parte da Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI). Em troca, obteve descontos na compra de petróleo bruto por 25 anos. Desde então, a China se tornou a maior importadora de petróleo iraniano, representando cerca de 50% das exportações do país, enquanto o petróleo iraniano responde por 15% das importações chinesas em 2024.
Assim, um conflito prolongado poderia desestabilizar a economia chinesa, uma vez que diversas refinarias foram adaptadas ao petróleo iraniano (e também ao paquistanês). Isso impactaria cadeias produtivas na Ásia e no mundo, especialmente de produtos petroquímicos. Manter o acordo com o Irã tornou-se uma questão de segurança nacional para Pequim, o que poderia levá-la a intervir.
“As partes em conflito, especialmente Israel, devem cessar o fogo o mais rápido possível para impedir um ciclo de escalada e evitar resolutamente o alastramento da guerra”, declarou o presidente chinês Xi Jinping.
Contudo, a intervenção chinesa não se daria como a americana, com bombas, mas por meio de inteligência e interferência eletroeletrônica contra os sistemas digitais dos inimigos. Navios com esses sistemas já foram detectados no Golfo. Além disso, a ferrovia entre Teerã e Urumqi, na China — inaugurada no fim de maio — é o primeiro projeto do BRI no Irã. A ferrovia atravessa o Uzbequistão, Cazaquistão e Tajiquistão em 15 dias, permitindo ao Irã manter-se abastecido militarmente em caso de guerra prolongada, caso os chineses optem por isso.
Portanto, mesmo que Israel e os EUA decidam intensificar sua ofensiva contra o Irã, é improvável que conquistem uma vitória clara. A participação do Iêmen, Paquistão, China e Rússia pode inclinar a balança de poder a favor dos iranianos, que parecem preparados para um conflito de longa duração. Ainda que improvável, o envolvimento externo no conflito do Oriente Médio pode resultar em uma guerra de confrontos sistêmicos imprevisíveis.
Excelente artigo, objetivo e rico em informações relevantes.
Obrigada por trazer informação analítica responsável.
Abaixo os imperialistas!