Está na hora de Lula romper com Israel
Se Lula deseja reafirmar seu compromisso com os direitos humanos e com o enfrentamento ao neofascismo, romper com Israel é a decisão certa a ser tomada
Artigo originalmente publicado no Opera Mundi.
Durante sua recente visita à França, o presidente Lula voltou a criticar o genocídio promovido por Israel em Gaza. Desta vez, estava diante de um dos principais aliados do regime israelense, o presidente Emmanuel Macron. “É importante que as potências mundiais dêem logo um basta nisso. Estamos vendo um genocídio na nossa cara todo santo dia. É triste saber que o mundo se cala diante de um genocídio”, disse.
Lula tem sido uma voz relevante contra a matança de palestinos em Gaza, o que reflete sua antiga relação com a Questão Palestina. O PT foi fundado nos anos 1980 com base na solidariedade às lutas contra o apartheid na África do Sul, no apoio aos movimentos de libertação nacional em Angola e Moçambique, e na defesa da paz no Oriente Médio. Na época, Lula chegou a receber Yasser Arafat, líder da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), então rotulado pelo Ocidente como “terrorista”.
Durante seus primeiros mandatos, Lula tornou-se o primeiro chefe de Estado brasileiro desde Dom Pedro II a visitar a Palestina, em 2010. Na ocasião, liderou um movimento latino-americano pelo reconhecimento do Estado palestino, impulsionado por forte mobilização do movimento palestino.
No próximo 15 de junho, um grande ato reunirá diversos setores da esquerda brasileira, incluindo organizações palestinas, para exigir que o Brasil rompa relações diplomáticas e comerciais com Israel como forma de pressionar pelo fim do genocídio em Gaza. Por que, então, Lula ainda hesita em atender a essa demanda?
A importância do Brasil para a Palestina
Ao cobrar, diante de Macron, que as “potências mundiais deem um basta nisso”, Lula parece buscar isentar o Brasil de responsabilidade direta sobre o genocídio. De fato, potências como EUA, França, Alemanha e Reino Unido exercem maior influência sobre Israel. No entanto, sua fala minimiza a relevância do Brasil para a Palestina e para o Sul Global.
O Brasil é a oitava maior economia do mundo e mantém relações comerciais estratégicas com Israel, sobretudo nos setores de agronegócio, petróleo e segurança. Importa principalmente fertilizantes e equipamentos militares, enquanto exporta proteína animal e petróleo cru. A balança comercial com Israel foi de aproximadamente 74,6 milhões de dólares em 2024, mas representou apenas 0,37% do total do comércio exterior brasileiro.
Além de apresentar déficit, o Brasil não é economicamente dependente de Israel. A recente diversificação das importações de fertilizantes, sobretudo da Rússia, minimizaria os impactos ao agronegócio. Do lado israelense, no entanto, a perda de um parceiro como o Brasil poderia gerar impactos significativos, especialmente em um contexto de crescente isolamento internacional, com efeitos inflacionários em setores-chave da economia israelense.
O Brasil também exerce papel de liderança no Sul Global. Após o reconhecimento da Palestina em 2010, diversos países latino-americanos seguiram o exemplo. O Brasil, cuja política externa se baseia no respeito aos direitos humanos e ao direito internacional, poderia novamente liderar pelo exemplo.
Tanto o Tribunal Penal Internacional quanto a Corte Internacional de Justiça, dos quais o Brasil é signatário, exigem que os países-membros adotem todas as medidas possíveis para impedir crimes contra a humanidade como os que vêm sendo cometidos por Israel em Gaza. Esse argumento foi inclusive usado por Celso Amorim para justificar o veto à compra de veículos militares israelenses pelo Exército em 2024.
O embargo econômico internacional foi decisivo para o fim do apartheid na África do Sul. Inspirados por esse exemplo, os palestinos exigem que países do mundo adotem boicotes, desinvestimentos e sanções contra Israel. Uma ação coordenada entre os BRICS, especialmente com a participação da China, teria impacto ainda maior. Mas mesmo uma decisão isolada do Brasil teria peso simbólico e político relevante.
As pressões em defesa de Israel
Por outro lado, Lula enfrenta fortes pressões para não romper com Israel. O lobby pró-Israel, representado por entidades como a Conib e a Stand With Us Brazil, conta com apoio de setores influentes no Congresso, como o bolsonarismo – representado por figuras como Eduardo Pazuello (PL-RJ) – e a bancada evangélica, liderada por nomes como o senador Carlos Viana (Podemos-MG), presidente do Grupo Parlamentar Brasil–Israel. Essa força política ficou evidente na aprovação do Dia da Amizade Brasil–Israel, com votos inclusive de senadores petistas, como Jaques Wagner, líder do governo no Senado.

A ruptura nas relações comerciais também impactaria três setores fundamentais da economia – agronegócio, segurança e energia – que, junto à bancada evangélica, formam o núcleo da base conservadora que domina o Congresso há décadas. Além disso, poderia prejudicar a tentativa de Lula de distensionar as relações com os militares, historicamente próximos a Israel desde a ditadura.
Há ainda pressões externas. Os EUA já demonstraram desconforto com o governo brasileiro, especialmente em relação ao ministro Alexandre de Moraes, e parecem buscar formas de desestabilizar a democracia brasileira com vistas às eleições de 2026. Embora Donald Trump não esteja em boa sintonia com Netanyahu, especialmente diante das dificuldades em se alcançar uma nova trégua em Gaza, dificilmente o rompimento por parte do Brasil poderia motivar uma reação mais dura de Washington. Recentemente, Colômbia e Chile romperam, respectivamente, relações comerciais e militares com Israel sem sofrer retaliação dos EUA.
O cenário indica que um rompimento político e econômico com Israel acarretaria custos limitados para Lula e para a economia brasileira. O principal impacto viria da reação negativa das forças de extrema-direita, tanto internas quanto externas. No entanto, se Lula deseja reafirmar seu compromisso com os direitos humanos e com o enfrentamento ao neofascismo, romper com Israel é a decisão certa a ser tomada.